E N T R E
Entre!
Seja bem vindo/a!
Entre é uma palavra engraçada. Cabe muita coisa dentro dela. Entrar e estar entre. Existe uma diferença entre a preposição e o verbo. Gosto de pensar o entre, o que acontece no meio, pensar no que é passagem , transição, no que é espaço, pausa e acontecimento. Pensar na ligação e na potência da possibilidade. Gosto de pensar um entre, entre a roda e o eixo, em que o espaço vazio permite que a roda rode e seja roda. O entre que liga elementos, estabelecendo relação, a ação de estar.
O corpo em um lugar vazio, sem mobília, decoração ou coisa parecida, foi a imagem que deu origem, a essa pesquisa/trabalho.
A ignição da imagem foi uma proposta de exercício dada ao grupo de acompanhamento de artistas que pertencia, deveríamos realizar entrevistas.
Tentei me esquivar dessa imagem com tentativas de entrevistas tradicionais, ou seja, com uma pessoa que respondia às minhas perguntas, mas o sentido só existiu quando um amigo, depois de compartilhar a imagem, abriu o apartamento de família, recentemente esvaziado pela inquilina para eu visitar.
Cheguei lá sem saber o que fazer. Posicionei a câmera e escutei, segui as percepções e a intuição. O que aconteceu ali gerou uma necessidade de seguir visitando outras casas, experimentando. Tudo em consonância com um caminho que estava sendo descoberto de sonoridades, do corpo e do meu processo criativo. O que era para ser uma entrevista, naquele momento, ganhou outros contornos e hoje é E N T R E.
Foto : Juliana Lewkowicz
Visito casas não habitadas, casas vazias, que geralmente estão disponíveis para locação ou venda, e, nelas, desenvolvo ações.
Um corpo roda e um espaço eixo.
Essas visitas geram videoperformances. E o nome dado à série é E N T R E.
O pensamento inicial da entrevista ruiu por não me entender como entrevistadora, assim como, não entendo o espaço como entrevistado, ou vice-versa. Levei um tempo para compreender que o que move a procura por casas vazias é meu interesse pelo que acontecia entre o corpo e o lugar através da percepção/ dos sentidos.
As casas que visito são geralmente oferecidas por inquilinos, donos ou parentes que ficam sabendo do trabalho/pesquisa.
Eles abrem e eu entro, percorro os cômodos.
Às vezes a narrativa dessas pessoas me acompanha nessa chegança. Às vezes é a confluência entre a luz, a arquitetura e a vontade que a casa parece ter. Escuto.
O cômodo em que desenvolvo as ações é escolhido assim, nessa caminhada de ouvidos atentos, esperando a casa dizer: - Entre pode ser aqui! É curioso porque, olhando em retrospecto, geralmente fico em áreas comuns, como a sala, por exemplo. Não sei o quanto é a vontade da casa e o quanto é minha subjetividade, mas não respeitar essa vontade resulta em certo insucesso da visita, porque a escuta parece ser mais difícil e, em consequência, as ações, que são sempre improvisadas, perdem a fluidez. É como se eu tivesse que pensar o tempo todo no que fazer a seguir: a presença é alterada.
Depois do cômodo escolhido, posiciono uma câmera em um ponto de vista que privilegia algum recorte arquitetônico específico, e sigo para o espaço. Esse é um momento decisivo em que o estado de presença guia a escuta. A presença pode ser pautada por estímulo, ou seja, um corpo em movimento constante ou em repouso. Ambos os estados são de escuta apesar de parecerem opostos.
Câmera posicionada, escuta aprofundada.
Os sons da casa são contaminados ora mais, ora menos pelos sons da rua. A mão desliza no vidro frio. As costas roçam na parede morna. Os olhos encontram os padrões de construção do piso que os pés brincam de seguir. O corpo experimenta sua proporção em relação à parede, em relação ao chão. A voz tenta mimetizar o que o ouvido ouve, experimentar: gerar ruído, improvisar com o ruído. O que é vivido no cômodo é uma experiência na qual os movimentos e sons se desdobram a partir da relação corpo-lugar.
Os vídeos das visitas não são registros de tudo que aconteceu, mas são parte da performance pela forma como a câmera é entendida, direcionada e integrada nessa relação corpo/ lugar. A edição, que começa muito tímida, também é responsável no estabelecimento da videoperformance como tal.
Quanto as formas de exibição, as possibilidades são muitas, mas sempre deve se levada em consideração a relação publico/ lugar. A quantidade de vídeoperformances provenientes das visitas varia , e elas são identificadas e organizadas por endereço , volume (quando existe mais de um do mesmo lugar.) e ano em que a visita foi feita.
Devemos seguir o percurso.
Munidos do endereço cada casa tem seu tema.